Participo de campanhas políticas há 37 anos, sempre apoiando posições democráticas. Sou filiado ao PSDB desde 2003, muito tempo depois de decidir com quem me sintonizava politicamente.

A primeira participação ocorreu em 1974. As eleições restringiam-se ao Congresso, Assembléias e Câmaras Municipais, exceto capitais, estâncias e cidades portuárias. Disputava-se uma vaga para o Senado: pela situação – ARENA (Aliança Renovadora Nacional) – o eminente ex-governador Carvalho Pinto e pela oposição – MDB (Movimento Democrático Brasileiro), o ex-prefeito de Campinas, Orestes Quércia. Quércia ganhou, apesar da inexperiência e de ser desconhecido do povo. A população paulista votou contra os militares e não contra o Senador Carvalho Pinto, votou a favor da redemocratização. Em resumo, a causa (redemocratização) ganhou vida entre a população, apesar de as propagandas demonstrarem precariedade, não havia debate, apenas imagens e algumas palavras sobre o número do candidato.

O momento da reversão ocorre na sucessão de Figueiredo, em 1985, quando Tancredo Neves foi eleito presidente por voto indireto, ou seja, votação dos congressistas. Graças à união entre parte das forças políticas conservadoras e a oposição. Rachada a situação, somada a coalizão da oposição, derrubamos a ditadura. Recebemos como presidente, José Sarney, pois Tancredo lamentavelmente faleceu antes de assumir o cargo.

A democracia se concretizou quando Fernando Collor de Mello foi eleito por voto direto, em segundo turno, contra aquele que 13 anos depois se tornaria presidente por oito anos: Lula.

Collor não tinha a expressividade histórica de Mário Covas e Ulisses Guimarães, porém, ganhou de ambos no primeiro turno. Foi amplamente apoiado por setores populares e conservadores. A televisão entrou para a história política brasileira nesse instante. O presidente “esportista” tomou nossas telas durante meses. A televisão foi decisiva na ascensão e queda de Collor. Assume Itamar, cujo mandato muda o Brasil com o Plano Real. Até hoje, não foi devidamente reconhecido como estadista.

Fernando Henrique Cardoso é eleito pelo sucesso do Plano Real, que estabilizou a economia, além de outros méritos de seu governo. Ao final do governo FHC, seu ministro José Serra candidatou-se à presidência. A campanha demonstrou a desunião entre seus pares. Tradicionais adversários dentro do partido, alguns se tornaram inimigos. Serra não debelou oposição à sua candidatura, perdendo para Lula. O mesmo aconteceu com Geraldo Alckmin na eleição de 2006.

Lula, após três tentativas, coligou-se aos conservadores e ganhou. Contou sempre a sua versão, omitindo a importância dos fundamentos econômicos e políticos herdados de FHC. Seu governo foi uma maré de boas notícias, e ao final, com índices incontestáveis, o mito Lula elegeu Dilma. Serra perdeu:

1. Por não ter unido a oposição à sua candidatura.

2. Por não ter contagiado o eleitorado, suficientemente, para vencer o mito.
Portanto, aprendemos com a história:

. A ascensão e a queda de um político estarão sempre ligadas aos seus atos, porém é importante como seus atos serão apresentados ao público. O Plano Real deu certo por ser uma proposta bem articulada e bem comunicada. FHC soube apresentá-lo como ministro. Tornou-se presidente duas vezes.

. A televisão é o veículo mais importante da percepção do público sobre um político e suas atitudes, seja ou não na condição de ocupante de um cargo.

. Conhecer e aplicar técnicas naturais ou apreendidas de comunicação televisiva é o segundo fator diferencial entre o sucesso e o fracasso de um político.

. Não basta ser honesto, é necessário parecer também.

. A desunião partidária gera derrota.

. Mito não perde eleição.

. Traição e intriga são elementos comportamentais incontroláveis do ser humano, sendo prejudicial à saúde política.

Os recentes movimentos oferecem novos posicionamentos interessantes: 

1. Gilberto Kassab – é conservador, ensaia uma aliança com o Planalto sem romper com o PSDB.

2. Gabriel Chalita e Paulo Skaf – ensaiam ir para o PMDB, ambos candidatos a prefeito de São Paulo. Chalita tem votos cativos, Skaf é boa novidade.

3. Geraldo Alckmin – precisará realizar um excelente mandato. Caso contrário, não emplacará seu predileto a prefeito de São Paulo e até mesmo sua sucessão.

4. Aécio, Geraldo, Serra entre outros – em algum momento precisarão unir o PSDB nacional para volta ao Planalto e manter o PSDB como importante força política.

Ronaldo Bianchi

No artigo anterior, mencionamos a criação da Empresa Brasileira de Comunicações. Foi um marco histórico importante e pelo qual destacamos valores e dúvidas:

Valores:

1. Criar uma rede nacional de televisões públicas no contexto de formato aberto, ou seja, tem a intenção de ser um contraponto às televisões comerciais a longo prazo.

2. Fortalecer as televisões públicas, educativas e comunitárias com a mesma intenção de criar alternativas às televisões comerciais, hoje, preponderantes nos indicadores de audiência.

3. Incentivar a produção independente de audiovisual no sentido de suprir a programação da rede que criou e, por sua vez, uma alternativa à produção comercial das outras televisões.

4. Oferecer à audiência, visões paralelas às das redações dos jornais de televisões comerciais. Há notícias e reportagens que as emissoras vinculadas ao mercado não conseguem expressar, caso contrário, sofreriam retaliação de seus anunciantes, podendo inviabilizá-las.

Dúvidas:

a) Por que o governo obrigou-se a criar essa empresa, em vez de fortalecer a rede existente nos estados e municípios?

b) Por que investiu ao longo dos anos, valores expressivos em equipamentos próprios e não fortaleceu a rede já existente?

c) Por que não reformulou as normas atuais que regulam as concessões públicas de televisão?

d) O governo precisava criar uma empresa para estimular o setor produtivo na área de produção independente?

e) O governo precisava reduzir a dedutibilidade da Lei Rouanet às televisões públicas e educativas de 100% para 70%? Será que não seria sua intenção enfraquecê-las?

Por essas e por outras, a criação da EBC tem pontos positivos e negativos. Como empresa não poderá por si regularizar as distorções que o setor demonstra em seu exercício diário.

Caberia ao Estado, via agência ou legislativamente, atuar no sentido de:

1. Arrefecer o oligopólio junto ao mercado publicitário e equilibrar os indicadores de audiência por veículo. Se fosse nos Estados Unidos, há muito tempo as grandes redes seriam subdivididas, pois lá nenhuma rede nacional pode exceder 15% de audiência.

2. Criar um novo código e marco regulatório para concessões públicas de radiodifusão, combinando a sua distribuição aos aliados políticos.

3. Promover um conjunto de licitações que, ao longo de uma década, corrigisse as distorções apontadas nos dois itens aqui apontados.

Ronaldo Bianchi

O financiamento das televisões públicas que conheci não é uniforme, porém guardam racionalidade por si. Em outras palavras, todas tem suas razões plausíveis de existir da forma que são.

1. E.U.A. – nesse país, visitei o sistema central e as seguintes emissoras de televisão:

a) Sistema Central (Public Broading System) – o sistema americano de contratação de financiamento público se relaciona com mais de 300 emissoras independentes. Essas emissoras recebem recursos do PBS, oriundos do Congresso Americano. O sistema repassa recursos, contrata produção independente e distribui ao conjunto de emissoras. Financia a produção de algumas das televisões do sistema e distribui o resultado da mesma forma.

b) Visitei as emissoras de televisão públicas locais – Washington, DC e Nova York. Além da parcela do PBS, ocorrem arrecadações junto a pessoas físicas, que podem deduzir suas contribuições do imposto de renda, e recebem recursos de empresas e entidades do terceiro setor locais, regionais e nacionais.

2. CANADÁ – A CBC (Canadian Broadcasting Corporation) é uma entidade sem fins lucrativos que recebe recursos do parlamento com duas finalidades: financiamento da produção audiovisual e das emissoras de televisão de língua inglesa (predominante), e outra de língua francesa. As emissoras, além de receberem recursos oficiais, adotam um expressivo financiamento via publicidade. Atuam em: jornalismo, transmissões esportivas (Hockey no gelo é o esporte nacional), teledramaturgia, documentários e cinema. Não há restrições legais para o financiamento privado. Uma marca de cerveja financia as transmissões esportivas. A entidade CBC é regulada pela agência nacional de telecomunicações, da mesma forma como as outras emissoras privadas. Todas são concessões públicas sujeitas a metas com prazo máximo de sete anos, renováveis. Caso o canal esteja descumprindo metas, sua concessão será reduzida a dois anos e, se persistir desconformidade, a licença será cassada.

3. ALEMANHA – como relatei, o complexo alemão é intrincado. Há um canal nacional, quatro redes provinciais e inúmeros canais municipais. As redes recebem conforme as cotas de recursos dos cidadãos que desejam receber o sinal televisivo. São €$ 230 por domicílio. A arrecadação é compartilhada e as emissoras provinciais, assim como as locais, também recebem recursos de seus governos.

4. ESPANHA – visitei a emissora catalã com sede em Barcelona. A sua função é preservar e difundir a língua basca. Os recursos são oriundos da província da Catalunha, mas recebem pequena parcela do parlamento espanhol.

Em resumo, a menor ou maior independência editorial ocorre pela condição da administração. Os administradores negaram qualquer influência dos poderes públicos na programação. Porém, nem todas são perfeitas, há excesso de funcionários na emissora catalã, enquanto que em Washington, sobrevive a duras penas. As alemãs sofrem a falta de audiência dos jovens, a média é de um público com 65 anos de idade. A emissora de televisão de Nova York é nota 10, enxuta, prática e produtiva.

Ronaldo Bianchi

O tema deste artigo será televisão pública internacional. Abordaremos os aspectos da independência editorial ou da liberdade na montagem da grade de exibição.

Em primeiro lugar, é importante distinguir o que conceituamos como televisão pública do que seja a televisão estatal. A televisão pública se caracteriza por sua independência editorial, mesmo quando financiada por recursos de origem orçamentária do Estado ou quando este é mero coletor de dinheiro da população para esse fim. Na televisão estatal, o financiamento é exclusivo do orçamento do Estado, a sua direção é escolhida pelo governo atuante e não há espaço editorial para críticas à atuação governamental. Em poucas palavras, o governo atuante transforma a televisão estatal em porta-voz de suas atitudes e propaga o seu ideário.

O modelo de televisão pública surge na Europa, por meio dos governos liderados pela social democracia. Os parlamentos criaram organizações de comunicação (rádio e televisão) com independência editorial, pagas pelo dinheiro do cidadão residente. Teoricamente, são organizações que podem tratar de temas e reportagens que venham a desagradar o governo do momento, porém sua diretoria não será demitida por esse fato, e muito menos suas verbas orçamentárias serão cortadas. Cabe ao Estado, coletar um imposto dedicado ao financiamento desse sistema. Interessante é que o sistema aplica-se ao rádio e à televisão, pois não há um jornal impresso público. Da mesma forma, nos Estados Unidos criou-se um sistema público de televisão com objetivos semelhantes: levar informações independentes às audiências pelo sistema de rádio e televisão, não havendo um jornal impresso público.

O sistema alemão pós-guerra foi construído pelos ingleses. Ele é formado por uma rede nacional, quatro redes provinciais e inúmeras emissoras locais. A rede nacional exibe uma programação diferente das outras por meio de um canal próprio. As redes provinciais possuem também suas próprias programações que percorrem temas como música, entretenimento, filmes e documentários. O jornalismo é responsabilidade de todo o sistema. Portanto, a informação editorial é criada e definida pela rede nacional, pelas redes regionais e por cada emissora municipal. Pergunto: ela existe de fato? Vamos ao exemplo europeu, reconhecidamente mais independente (criticam os governos de plantão) como a BBC. Não chega a ser tão ácida quanto deveria, não conheço nenhum programa britânico que conteste a monarquia inglesa. Da mesma forma, a televisão italiana que navega em crise permanente, como o governo berluscônico, dado seu quadro funcional (seis mil funcionários) ingovernável.

Do lado americano, quem dirige o sistema público são aposentados oriundos da Secretaria de Estado Americana. Nosso correspondente seriam funcionários públicos aposentados da Casa Civil, no Palácio do Planalto. Os noticiários não são produzidos no sistema PBS (Public Broadcasting System). Cabe à rede de 352 emissoras públicas locais (municipais) produzirem o jornalismo. Portanto, o PBS atua em assuntos como documentários, programas musicais e entretenimento infantil. Trata-se, na verdade, de uma organização que coordena a produção independente e das emissoras do sistema, distribuindo conteúdos para as 352 emissoras públicas do país, por meio de acordos específicos, caso a caso. Ela administra uma teia de emissoras, por meio de um feixe de contratos.

O jornalismo público americano é produzido nas unidades municipais ou condados. Não há comentários sobre as notícias, isso acontece em programas de debate criados com essa finalidade. Porém, nem sempre o assunto é política. Os temas são múltiplos: arte, música, esporte, política internacional. Portanto, a independência e o dito distanciamento do poder político não existem em qualquer dos sistemas que conheço, nem público, nem privado e nem estatal. Mesmo os sistemas públicos, tendem a pautar e interpretar conforme as conveniências de seus editores, e isso acontece em qualquer mídia onde haja jornalismo. O que é garantido é o direito de escrever e falar de forma independente. Portanto, não há isenção vestal, apregoada por acadêmicos. A luta ocorre nos bastidores, na construção das pautas e nos momentos dos comentários à frente das câmeras e microfones.

No próximo artigo, abordaremos o tema financiamento do sistema público.

Ronaldo Bianchi

• Como e por que o Estado deve incentivar as operações de emissoras de televisão públicas?

• Que comportamento editorial essas emissoras de televisão devem estabelecer com a sociedade?

• Qual a oferta de programação é a mais generosa e adequada?

• As emissoras de televisão públicas devem aceitar patrocínio, publicidade ou apoio do mercado como complementação orçamentária?

As respostas dessas quatro perguntas serão temas deste e dos próximos artigos, portanto, não responderei a todas.

Vimos em nosso primeiro artigo que à televisão brasileira, assim como à americana, o protagonismo coube à iniciativa privada, empresas de comunicação vinculadas ao jornalismo e ao rádio, anos 50 no Brasil. A primeira televisão pública brasileira foi criada em 1967, pela Universidade Federal do Estado de Pernambuco – TV Universitária. A segunda seria a TV Cultura, canal 2, criada em 1967 e indo ao ar em 1969. Portanto, a iniciativa pública aguardou 17 anos para surgir. Por quê? Primeiro, as relações entre a imprensa de mercado e o governo sempre se ajustaram por meio de conformidades convenientes. Em segundo lugar, a tecnologia de implantação e operação fugia do foco do corpo público. Terceiro, porque o mercado odeia concorrência, como se a televisão pública fosse o caso. Aqui, nenhuma acusação a ninguém. Registro que a Rede Globo surgiu em 1966, ou seja, sua instalação não foi um impeditivo do protagonismo público. Creio que o surgimento tardio das emissoras de televisão públicas poderia ser explorado pelos acadêmicos, vinculados aos estudos dos meios de comunicação. Porém, arrisco o palpite de que a imprensa escrita atendia com profundidade as relações entre poderes. O governo de plantão patrocinava os seus aliados contra os detratores e isso bastava.

Os governos não enxergavam o meio televisivo como alcance para a educação, formação profissional, jornalismo independente e entretenimento não apelativo. Esse fato só ocorreria 17 anos após a primeira transmissão.

Com a ditadura (1964-1986) em progresso, os meios acadêmicos, oposicionistas e mais democráticos enxergaram na televisão pública, uma alternativa ao controle da censura e um núcleo alternativo à esfera da hegemonia privada. Parece paradoxal, porém isso ocorreu no Estado Novo em 1937, quando os oposicionistas foram abrigados em diversos ministérios.

A TV Cultura surgiu com a proposta de educar, assunto explorado por Jorge da Cunha Lima no livro que relata a história da emissora. Porém, rapidamente, a programação foi ampliada para o jornalismo, a música, a dramaturgia, a programação infantil e o cinema. De 1967 a 1995, a TV Cultura foi financiada pelo governo paulista e por consórcios empresariais que não exigiram veiculação de publicidade comercial ou institucional. Cabe nesse artigo, registrar que o Estado deve, preferencialmente e majoritariamente, financiar emissoras públicas de televisão por meio de seu orçamento. Cabe à TV pública, oferecer como contrapartida, uma programação diversificada e independente. A área comercial ou o orçamento público não podem dirigir a televisão pública como dirigem a programação das emissoras de televisão de mercado. É papel do Estado, patrocinar a programação dirigida à educação profissionalizante, à formação universitária, à programação infantil, ao jornalismo independente, ou seja, não governamental. Cabe ao Estado, financiar a instituição sem exigir contrapartidas fisiológicas como cargos, empregos para parentes, protegidos e correligionários. A instituição pública de comunicação deve ser protegida da sanha partidária e dos acólitos do poder.

Essa proteção ocorre quando a instituição constitui um conselho, cuja maioria dos membros seja composta por pessoas físicas com renomada experiência profissional em suas áreas de atuação e histórica cooperação com entidades da sociedade civil. Portanto, é o recurso do Estado, despendido por uma organização de interesse público, controlada por membros da sociedade civil e vigiado por todos no sentido de proporcionar uma televisão pública de primeira linha. Como acontece com o sistema público de televisão americano, inglês, alemão e espanhol.

Dessa forma, nesse artigo respondemos a primeira questão e parte da segunda.

Ronaldo Bianchi

O sistema de distribuição de conteúdo a cabo sofrerá nova regulamentação. O atual modelo no que tange a operadoras e empacotadoras internacionais será revisado, obrigando-as a transmitir conteúdo nacional. Quando se estabeleceram, o cenário era de total liberdade de programação, aproveitando-se da ingenuidade de nossa legislação específica.

Agora, o governo brasileiro protagoniza um processo de mudança por meio do PLC 116, fato comum nos países que regulam os conteúdos estrangeiros. Países como Alemanha, Inglaterra, Espanha e Canadá pertencem ao conjunto de nações que se propõem a defender seus produtores locais da máquina americana do audiovisual. Essa defesa é necessária por, pelo menos, dois motivos:

• A preservação e difusão de nossa cultura – temas sociais, políticos, a forma narrativa, nossa língua, o conjunto que define nossa nacionalidade deve permanecer íntegra. É necessário preservar o nacional. Devemos ampliar nossa produção sem submissão e superando nosso complexo de baixa estima. Nelson Rodrigues a denominava complexo de “vira-lata”. Estamos em bom caminho tardiamente.

• O segundo motivo é econômico – motivo tão importante quanto o cultural. A construção da cultura é uma atividade econômica como as outras que compõem nosso sistema produtivo. O pensar e o agir são compostos a partir da formação de uma identidade. Sem proselitismo, cultura é economia. Nossa produção artística em televisão, rádio, internet, memória e espetáculos comprovam esse fato. Se ampliarmos nosso raciocínio, podemos encontrar agências de propaganda, empresas produtoras de games, escolas de formação cultural, museus e patrimônio cultural (monumentos, edifícios e paisagens). Essa somatória define a importância econômica da Cultura em nosso cenário econômico.

Há 10 anos, a cultura representava 1% do PIB. Dessa forma, a defesa pela construção de conteúdo por meio de produções nacionais será efetivamente uma ação econômica positiva. Portanto, é bem vinda a regulamentação da formação da grade desses canais, dos distribuidores e dos empacotadores no sentido de valorizar a produção das empresas brasileiras do setor.

Ronaldo Bianchi

A televisão concessionária privada brasileira “comeu o pão que o diabo amassou” em seus primeiros anos de existência. Além do alto investimento no processo tecnológico e em produção, havia um terceiro obstáculo relevante: falta de audiência. Os aparelhos eram importados e a imagem preto e branco. As primeiras transmissões foram vistas, no máximo, por uma ou duas centenas de aparelhos. Se comparado aos jornais, revistas e rádios, o sistema de televisão levaria uma dezena de anos para se realizar como investimento viável.

O foco do pioneiro era acelerar ao máximo a importação de aparelhos e a sua divulgação como uma nova forma de diversão e informação. Um agente facilitador da importância da televisão se deu pelo fato de muitas empresas locais serem filiais de corporações americanas, onde o sistema já se encontrava amadurecido e receptivo ao novo meio de comunicação, além das agências de propaganda americanas operando no Brasil. A empresa Ford chegou ao Brasil na década de 20, no século passado e, da mesma forma, empresas do ramo de alimentos, higiene e comércio. O volume do empreendedorismo americano, naturalmente acelerou-se após o término da Segunda Guerra Mundial no século XX. Ao seu término, empresas de matéria-prima começaram a criar suas filiais brasileiras, pois já vislumbravam oportunidades que a própria guerra suscitou, bem como os aspectos demográficos brasileiros. A população brasileira estava urbanizando-se e crescendo a taxas acima da média mundial. As empresas de consultoria associadas às da indústria, comércio e serviços apoiaram a “invasão” americana via importação ou instalação de unidades fabris e comerciais.

A evolução da televisão estava atrelada à expansão do número de televisores nos domicílios e das oportunidades que as agências de propaganda vendiam ao mercado. Por esse ângulo, afirmamos que o sistema também venceu. Em outras palavras, a televisão foi adotada pela população que se urbanizava e pelos anunciantes.

O tempo confirmou agradáveis surpresas como: a criatividade das agências, a programação atraente e a penetração do sistema em rede (nos dois maiores mercados – Rio e São Paulo).

A era da televisão chegou para ficar nos anos 60. A partir dessa década, as emissoras concentraram-se em esportes, dramaturgia, musicais, filmes e seriados. Esses últimos nasceram no cinema na década de 30, mas com o advento da televisão, tornaram-se uma alternativa singular, proporcionando à platéia, emoções a cada episódio e deixando ao final, o suspense para o episódio seguinte. Hoje, ainda é a fórmula adotada. A “invasão” americana aconteceu por meio dos filmes e seriados. Quem com mais de 50 anos não acompanhou “Gorki, o menino do Circo”, “As aventuras de Rimtimtim”, “Roy Rogers”, “Bat Masterson” entre outros?

Enquanto os americanos forneciam seriados e filmes, os anunciantes se faziam presentes também nas produções nacionais. As empresas de bebidas, cigarros, alimentos, vestuário, linha branca (fogão, geladeira) e marrom (televisão, rádio, vitrola e gravador), empresas do varejo, bancos e financeiras passaram a apostar maciçamente em recursos de propaganda para a televisão.

Os anos de ouro antecedem os canais a cabo e a internet. As novas tecnologias quebraram o equilíbrio das concessionárias e, hoje, a instabilidade se avoluma pela desregulamentação da web, aliada ao aumento de velocidade da sua banda.

O fator estratégico da concessão passa a ser secundário caso a web de alta velocidade for implantada com a mesma desenvoltura dos antigos televisores de tubo branco e preto. O fator estratégico será a construção do conteúdo. Desse modo, uma audiência atualmente de 30%, não acontecerá mais no novo sistema. Haverá uma dispersão de audiência, fruto do avanço tecnológico que, por sua vez, liberta a audiência da escolha restrita a poucos canais. Existirão inúmeros novos canais com programação diversificada.

Por essas e outras, a publicidade nas organizações de televisão pública passará a ser um fator importante. Ou seja, o sistema público precisará de uma massa expressiva de recursos para produzir, por certo a transmissão não será mais fator estratégico. O que vimos como um suplemento vitamínico passará a ser seiva para o núcleo da nova vida da televisão pública. Quem vai encarar? O Estado investirá com ou sem o consórcio do mercado? O que será essa nova produção e programação? Respostas não conclusivas serão temas dos próximos artigos.

Ronaldo Bianchi

As emissoras de televisão, de uma forma geral, adotam como linha de conduta jornalística, a transmissão de noticiário factual, procurando evitar a interpretação dos fatos. O conteúdo jornalístico tem mudado, no passado, há 30 anos, o noticiário noturno do horário “nobre” era conduzido pautando pela ordem de assuntos locais, nacionais, internacionais e, em destaque, assuntos esportivos, especialmente o futebol. A emissora estendia-se nesse tema, reportando as últimas tendências dos principais clubes do eixo Rio-São Paulo. As alterações começaram a ser mais significativas a partir da instalação de jornais eletrônicos no horário de almoço (a Tupi foi pioneira com o Tico Tico na década de 60). Mais tarde a Record criou o que ficou conhecido como o Jornal da “Tosse”, chacota à idade média dos comentaristas.

A partir desse modelo (cópia dos jornais matutinos da Rádio Bandeirantes), as emissoras instalaram seu jornalismo de debate. Foram tão importantes que pelo menos dois participantes foram eleitos deputados: José Serra e Faria de Sá. Esse último, como defendia os aposentados, desbragadamente, foi eleito por esse segmento da sociedade. Na década de 60/70, dois comentaristas de futebol foram eleitos vereadores paulistanos, Valter Abrão e Geraldo Blota, e outro guindado Conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo: Paulo Planet Buarque. Vale lembrar que Valter Abrão também foi nomeado conselheiro anos depois. Essas relações entre mídia e cargos públicos ficaram cada vez mais freqüentes. Na última eleição, vimos a enxurrada de candidatos cantores, jogadores, jornalistas e estilistas. Alguns alcançaram a eleição, o palhaço conhecido como Tiririca foi o artista candidato mais votado do país, com cerca de um milhão e meio de votos.

Concluímos, portanto, com a certeza de que a exibição pública por meio televisivo é um caminho seguro para quem quer trilhar a vida pública. Creio que o ex-presidente Lula faria muito bem o caminho inverso, podendo desbancar Silvio Santos, Fausto Silva e Luciano Hulk, mas isso é troça.

Voltando ao editorial jornalístico, poucas vezes ouvimos o posicionamento das emissoras frente a algum fato. Lembro-me da Rede Globo protegendo-se dos ataques do Brizola. O comum é não emitir qualquer editorial, as preferências surgem das bocas dos debatedores de notícias.

Em anos mais recentes, surgiu o jornalismo “verdade”, baseado nas desgraças humanas: crimes, desastres, doenças, entre outros. Neles, o apresentador faz críticas cáusticas às secretarias de segurança pública, ao departamento de trânsito, aos sistemas públicos de saúde e de previdência. Fazem o seu trabalho, podem ser apelativos, algumas vezes, poderiam ser evitadas cenas chocantes, porém, num país tão estranho, onde não há críticas, é uma novidade interessante. Datena, Cabrine entre outros, se fossem candidatos seriam deputados ou senadores (como foi um dia o global Hélio Costa, de Minas Gerais).

As mudanças se aceleraram com a televisão a cabo. Nesse restante, o público mais exigente e com maior renda migrou da televisão de sinal aberto para os canais por assinatura. Há 11 anos, surgiu a Globo News, um canal como o da CNN americana, onde as notícias passam a ser o núcleo da programação, entremeando notícias, entrevistas e documentários de conteúdo jornalístico. Excelente canal, diga-se. Nessa condição não há espaço para o apelativo, popularesco ou demagogo. É um jornalismo atuante, fugindo muito do antigo modelo jornalístico factual. Agora, o comentário é a razão de ser do programa.

Caberia à televisão pública um papel de protagonismo, quando a independência da redação frente aos patrocinadores se fez necessária. Assuntos como taxa de juros, precariedade do atendimento das agências bancárias, baixa eficiência dos provedores de internet, mau atendimento das lojas virtuais, mazelas da indústria que rouba no peso e na metragem entre outros, não seriam muito bem vistos pelas empresas que atuam nesses e em outros segmentos como patrocinadores do jornalismo. Teoricamente, o jornalismo público deve ocupar esse espaço de debate e ajuste de conduta. As emissoras públicas deveriam atuar nestas zonas cinzentas, abrigando essas discussões não para comparar-se ao jornalismo sensacionalista, mas seria a possibilidade de explorar a mesma situação por diversos ângulos. Analisar a razão de a taxa de juros brasileira ser a segunda (hoje) maior do mundo deveria ser um debate com os atores presentes: bancos, governo, empresários e sociedade. Esta é a hora. Esta seria a função do jornalismo público, sua conduta editorial.

Não há espaço crível onde o comercial domine o editorial, e nem onde o político paute a direção jornalística. Governo e Mercado precisam ficar de fora das redações.

Cabe ao jornalismo público, como também ao bom jornalismo das redes concessionárias privadas, a obrigação de ouvir todos os lados de uma questão. Caso contrário, será reconhecidamente uma atitude descredenciada de valor.

Hoje, nos tempos da rede mundial, a verdade tem mais interpretações do que no passado, ontem, um canal ou um jornal poderiam derrubar um governo, um projeto de lei ou qualquer membro dos poderes da república. Hoje, a informação é mais rápida e contundente, porém pode ser mais apropriada. Em que condições? Em primeiro lugar, o seu direito de resposta a uma acusação pode ser abrigada nas redes sociais e os fatos esclarecidos antes de se tornarem um escândalo injusto.

Creio que seja um assunto inesgotável, mas por esse artigo, damos cabo sobre o assunto do comportamento editorial.

Ronaldo Bianchi

• Como e por que o Estado deve incentivar as operações de emissoras de televisão públicas?

• Que comportamento editorial essas emissoras de televisão devem estabelecer com a sociedade?

• Qual a oferta de programação é a mais generosa e adequada?

• As emissoras de televisão públicas devem aceitar patrocínio, publicidade ou apoio do mercado como complementação orçamentária?

As respostas dessas quatro perguntas serão temas deste e dos próximos artigos, portanto, não responderei a todas.

Vimos em nosso primeiro artigo que à televisão brasileira, assim como à americana, o protagonismo coube à iniciativa privada, empresas de comunicação vinculadas ao jornalismo e ao rádio, anos 50 no Brasil. A primeira televisão pública brasileira foi criada em 1967, pela Universidade Federal do Estado de Pernambuco – TV Universitária. A segunda seria a TV Cultura, canal 2, criada em 1967 e indo ao ar em 1969. Portanto, a iniciativa pública aguardou 17 anos para surgir. Por quê? Primeiro, as relações entre a imprensa de mercado e o governo sempre se ajustaram por meio de conformidades convenientes. Em segundo lugar, a tecnologia de implantação e operação fugia do foco do corpo público. Terceiro, porque o mercado odeia concorrência, como se a televisão pública fosse o caso. Aqui, nenhuma acusação a ninguém. Registro que a Rede Globo surgiu em 1966, ou seja, sua instalação não foi um impeditivo do protagonismo público. Creio que o surgimento tardio das emissoras de televisão públicas poderia ser explorado pelos acadêmicos, vinculados aos estudos dos meios de comunicação. Porém, arrisco o palpite de que a imprensa escrita atendia com profundidade as relações entre poderes. O governo de plantão patrocinava os seus aliados contra os detratores e isso bastava.

Os governos não enxergavam o meio televisivo como alcance para a educação, formação profissional, jornalismo independente e entretenimento não apelativo. Esse fato só ocorreria 17 anos após a primeira transmissão.

Com a ditadura (1964-1986) em progresso, os meios acadêmicos, oposicionistas e mais democráticos enxergaram na televisão pública, uma alternativa ao controle da censura e um núcleo alternativo à esfera da hegemonia privada. Parece paradoxal, porém isso ocorreu no Estado Novo em 1937, quando os oposicionistas foram abrigados em diversos ministérios.

A TV Cultura surgiu com a proposta de educar, assunto explorado por Jorge da Cunha Lima no livro que relata a história da emissora. Porém, rapidamente, a programação foi ampliada para o jornalismo, a música, a dramaturgia, a programação infantil e o cinema. De 1967 a 1995, a TV Cultura foi financiada pelo governo paulista e por consórcios empresariais que não exigiram veiculação de publicidade comercial ou institucional. Cabe nesse artigo, registrar que o Estado deve, preferencialmente e majoritariamente, financiar emissoras públicas de televisão por meio de seu orçamento. Cabe à TV pública, oferecer como contrapartida, uma programação diversificada e independente. A área comercial ou o orçamento público não podem dirigir a televisão pública como dirigem a programação das emissoras de televisão de mercado. É papel do Estado, patrocinar a programação dirigida à educação profissionalizante, à formação universitária, à programação infantil, ao jornalismo independente, ou seja, não governamental. Cabe ao Estado, financiar a instituição sem exigir contrapartidas fisiológicas como cargos, empregos para parentes, protegidos e correligionários. A instituição pública de comunicação deve ser protegida da sanha partidária e dos acólitos do poder.

Essa proteção ocorre quando a instituição constitui um conselho, cuja maioria dos membros seja composta por pessoas físicas com renomada experiência profissional em suas áreas de atuação e histórica cooperação com entidades da sociedade civil. Portanto, é o recurso do Estado, despendido por uma organização de interesse público, controlada por membros da sociedade civil e vigiado por todos no sentido de proporcionar uma televisão pública de primeira linha. Como acontece com o sistema público de televisão americano, inglês, alemão e espanhol.

Dessa forma, nesse artigo respondemos a primeira questão e parte da segunda.

Ronaldo Bianchi

Nos artigos anteriores abordei a formação jurídica e organizacional de empresas públicas de comunicação. Neste, abordarei a operação nesse tipo de entidade, sob dois aspectos:

1. Trabalhista – no caso da TV pública autárquica, o comum é a contratação por processo seletivo e com vínculo ao regime de consolidação das leis do trabalho.

No caso do empreendimento público da administração direta, exige-se concurso público com vínculo ao regime de funcionalismo, ou seja, estatutário. A excepcionalidade a essas regras atinge os trabalhos de pessoas que, dada sua relevante história no setor, sua imagem pública destacada, cujo trabalho se estende a mais de uma emissora. Esses poderão vincular-se como uma personalidade própria, via pessoa jurídica. Nesse caso, a sua contratação é semelhante àqueles que ocupam cargos de confiança, porém, o seu vínculo não é exclusivo, não está destacado na hierarquia da organização, não possui posto de trabalho (mesa, cadeira e demais equipamentos operacionais), não se utiliza de cartão de visitas funcional, seu horário de trabalho é limitado ao período de sua função (preparação e apresentação de programas, por exemplo), agrega valores singulares de credibilidade que serão transformados em audiência e formação de opinião. Oferecerão audiência significativa, informações críveis, opiniões balizadas e formação de um contexto compreensível. A essas pessoas não se justifica o vínculo celetista ou estatutário.

2. Aquisições de bens e serviços – nesse caso as excepcionalidades serão definidas pela própria Lei 8.666, ou pelo regulamento interno de compras de bens e serviços da entidade. Quando devem ocorrer?

a) Na reposição de peças, partes ou acessórios de equipamentos como câmeras, computadores, lentes, armazenadores de som e imagem, microfilmes entre outros. Como substituem ou completam um corpo ou conjunto operacional já adquirido no passado e em operação, a sua reposição ocorrerá por compra dirigida ao único fornecedor do equipamento. Caso existam distribuidores, deverá ocorrer processo licitatório.

b) Na contratação de serviços em que a especialidade é fator diferencial entre o sucesso e o fracasso de um empreendimento ou situação. Até hoje, não conheço a situação de licitar serviços advocatícios quando a causa determinará ou não a continuidade da emissora e onde o serviço é tão refinado, como análise seletiva do corpo funcional da organização. Creio ser inconveniente ou mesmo temerário que o diretor da organização promova certame para questões significativas, não triviais, que se distanciem da rotina operacional. Nesses casos, justifica-se a contratação por notória especialidade, não constituindo, portanto, fuga da licitação.

Ronaldo Bianchi