O tema deste artigo será televisão pública internacional. Abordaremos os aspectos da independência editorial ou da liberdade na montagem da grade de exibição.

Em primeiro lugar, é importante distinguir o que conceituamos como televisão pública do que seja a televisão estatal. A televisão pública se caracteriza por sua independência editorial, mesmo quando financiada por recursos de origem orçamentária do Estado ou quando este é mero coletor de dinheiro da população para esse fim. Na televisão estatal, o financiamento é exclusivo do orçamento do Estado, a sua direção é escolhida pelo governo atuante e não há espaço editorial para críticas à atuação governamental. Em poucas palavras, o governo atuante transforma a televisão estatal em porta-voz de suas atitudes e propaga o seu ideário.

O modelo de televisão pública surge na Europa, por meio dos governos liderados pela social democracia. Os parlamentos criaram organizações de comunicação (rádio e televisão) com independência editorial, pagas pelo dinheiro do cidadão residente. Teoricamente, são organizações que podem tratar de temas e reportagens que venham a desagradar o governo do momento, porém sua diretoria não será demitida por esse fato, e muito menos suas verbas orçamentárias serão cortadas. Cabe ao Estado, coletar um imposto dedicado ao financiamento desse sistema. Interessante é que o sistema aplica-se ao rádio e à televisão, pois não há um jornal impresso público. Da mesma forma, nos Estados Unidos criou-se um sistema público de televisão com objetivos semelhantes: levar informações independentes às audiências pelo sistema de rádio e televisão, não havendo um jornal impresso público.

O sistema alemão pós-guerra foi construído pelos ingleses. Ele é formado por uma rede nacional, quatro redes provinciais e inúmeras emissoras locais. A rede nacional exibe uma programação diferente das outras por meio de um canal próprio. As redes provinciais possuem também suas próprias programações que percorrem temas como música, entretenimento, filmes e documentários. O jornalismo é responsabilidade de todo o sistema. Portanto, a informação editorial é criada e definida pela rede nacional, pelas redes regionais e por cada emissora municipal. Pergunto: ela existe de fato? Vamos ao exemplo europeu, reconhecidamente mais independente (criticam os governos de plantão) como a BBC. Não chega a ser tão ácida quanto deveria, não conheço nenhum programa britânico que conteste a monarquia inglesa. Da mesma forma, a televisão italiana que navega em crise permanente, como o governo berluscônico, dado seu quadro funcional (seis mil funcionários) ingovernável.

Do lado americano, quem dirige o sistema público são aposentados oriundos da Secretaria de Estado Americana. Nosso correspondente seriam funcionários públicos aposentados da Casa Civil, no Palácio do Planalto. Os noticiários não são produzidos no sistema PBS (Public Broadcasting System). Cabe à rede de 352 emissoras públicas locais (municipais) produzirem o jornalismo. Portanto, o PBS atua em assuntos como documentários, programas musicais e entretenimento infantil. Trata-se, na verdade, de uma organização que coordena a produção independente e das emissoras do sistema, distribuindo conteúdos para as 352 emissoras públicas do país, por meio de acordos específicos, caso a caso. Ela administra uma teia de emissoras, por meio de um feixe de contratos.

O jornalismo público americano é produzido nas unidades municipais ou condados. Não há comentários sobre as notícias, isso acontece em programas de debate criados com essa finalidade. Porém, nem sempre o assunto é política. Os temas são múltiplos: arte, música, esporte, política internacional. Portanto, a independência e o dito distanciamento do poder político não existem em qualquer dos sistemas que conheço, nem público, nem privado e nem estatal. Mesmo os sistemas públicos, tendem a pautar e interpretar conforme as conveniências de seus editores, e isso acontece em qualquer mídia onde haja jornalismo. O que é garantido é o direito de escrever e falar de forma independente. Portanto, não há isenção vestal, apregoada por acadêmicos. A luta ocorre nos bastidores, na construção das pautas e nos momentos dos comentários à frente das câmeras e microfones.

No próximo artigo, abordaremos o tema financiamento do sistema público.

Ronaldo Bianchi

• Como e por que o Estado deve incentivar as operações de emissoras de televisão públicas?

• Que comportamento editorial essas emissoras de televisão devem estabelecer com a sociedade?

• Qual a oferta de programação é a mais generosa e adequada?

• As emissoras de televisão públicas devem aceitar patrocínio, publicidade ou apoio do mercado como complementação orçamentária?

As respostas dessas quatro perguntas serão temas deste e dos próximos artigos, portanto, não responderei a todas.

Vimos em nosso primeiro artigo que à televisão brasileira, assim como à americana, o protagonismo coube à iniciativa privada, empresas de comunicação vinculadas ao jornalismo e ao rádio, anos 50 no Brasil. A primeira televisão pública brasileira foi criada em 1967, pela Universidade Federal do Estado de Pernambuco – TV Universitária. A segunda seria a TV Cultura, canal 2, criada em 1967 e indo ao ar em 1969. Portanto, a iniciativa pública aguardou 17 anos para surgir. Por quê? Primeiro, as relações entre a imprensa de mercado e o governo sempre se ajustaram por meio de conformidades convenientes. Em segundo lugar, a tecnologia de implantação e operação fugia do foco do corpo público. Terceiro, porque o mercado odeia concorrência, como se a televisão pública fosse o caso. Aqui, nenhuma acusação a ninguém. Registro que a Rede Globo surgiu em 1966, ou seja, sua instalação não foi um impeditivo do protagonismo público. Creio que o surgimento tardio das emissoras de televisão públicas poderia ser explorado pelos acadêmicos, vinculados aos estudos dos meios de comunicação. Porém, arrisco o palpite de que a imprensa escrita atendia com profundidade as relações entre poderes. O governo de plantão patrocinava os seus aliados contra os detratores e isso bastava.

Os governos não enxergavam o meio televisivo como alcance para a educação, formação profissional, jornalismo independente e entretenimento não apelativo. Esse fato só ocorreria 17 anos após a primeira transmissão.

Com a ditadura (1964-1986) em progresso, os meios acadêmicos, oposicionistas e mais democráticos enxergaram na televisão pública, uma alternativa ao controle da censura e um núcleo alternativo à esfera da hegemonia privada. Parece paradoxal, porém isso ocorreu no Estado Novo em 1937, quando os oposicionistas foram abrigados em diversos ministérios.

A TV Cultura surgiu com a proposta de educar, assunto explorado por Jorge da Cunha Lima no livro que relata a história da emissora. Porém, rapidamente, a programação foi ampliada para o jornalismo, a música, a dramaturgia, a programação infantil e o cinema. De 1967 a 1995, a TV Cultura foi financiada pelo governo paulista e por consórcios empresariais que não exigiram veiculação de publicidade comercial ou institucional. Cabe nesse artigo, registrar que o Estado deve, preferencialmente e majoritariamente, financiar emissoras públicas de televisão por meio de seu orçamento. Cabe à TV pública, oferecer como contrapartida, uma programação diversificada e independente. A área comercial ou o orçamento público não podem dirigir a televisão pública como dirigem a programação das emissoras de televisão de mercado. É papel do Estado, patrocinar a programação dirigida à educação profissionalizante, à formação universitária, à programação infantil, ao jornalismo independente, ou seja, não governamental. Cabe ao Estado, financiar a instituição sem exigir contrapartidas fisiológicas como cargos, empregos para parentes, protegidos e correligionários. A instituição pública de comunicação deve ser protegida da sanha partidária e dos acólitos do poder.

Essa proteção ocorre quando a instituição constitui um conselho, cuja maioria dos membros seja composta por pessoas físicas com renomada experiência profissional em suas áreas de atuação e histórica cooperação com entidades da sociedade civil. Portanto, é o recurso do Estado, despendido por uma organização de interesse público, controlada por membros da sociedade civil e vigiado por todos no sentido de proporcionar uma televisão pública de primeira linha. Como acontece com o sistema público de televisão americano, inglês, alemão e espanhol.

Dessa forma, nesse artigo respondemos a primeira questão e parte da segunda.

Ronaldo Bianchi

O sistema de distribuição de conteúdo a cabo sofrerá nova regulamentação. O atual modelo no que tange a operadoras e empacotadoras internacionais será revisado, obrigando-as a transmitir conteúdo nacional. Quando se estabeleceram, o cenário era de total liberdade de programação, aproveitando-se da ingenuidade de nossa legislação específica.

Agora, o governo brasileiro protagoniza um processo de mudança por meio do PLC 116, fato comum nos países que regulam os conteúdos estrangeiros. Países como Alemanha, Inglaterra, Espanha e Canadá pertencem ao conjunto de nações que se propõem a defender seus produtores locais da máquina americana do audiovisual. Essa defesa é necessária por, pelo menos, dois motivos:

• A preservação e difusão de nossa cultura – temas sociais, políticos, a forma narrativa, nossa língua, o conjunto que define nossa nacionalidade deve permanecer íntegra. É necessário preservar o nacional. Devemos ampliar nossa produção sem submissão e superando nosso complexo de baixa estima. Nelson Rodrigues a denominava complexo de “vira-lata”. Estamos em bom caminho tardiamente.

• O segundo motivo é econômico – motivo tão importante quanto o cultural. A construção da cultura é uma atividade econômica como as outras que compõem nosso sistema produtivo. O pensar e o agir são compostos a partir da formação de uma identidade. Sem proselitismo, cultura é economia. Nossa produção artística em televisão, rádio, internet, memória e espetáculos comprovam esse fato. Se ampliarmos nosso raciocínio, podemos encontrar agências de propaganda, empresas produtoras de games, escolas de formação cultural, museus e patrimônio cultural (monumentos, edifícios e paisagens). Essa somatória define a importância econômica da Cultura em nosso cenário econômico.

Há 10 anos, a cultura representava 1% do PIB. Dessa forma, a defesa pela construção de conteúdo por meio de produções nacionais será efetivamente uma ação econômica positiva. Portanto, é bem vinda a regulamentação da formação da grade desses canais, dos distribuidores e dos empacotadores no sentido de valorizar a produção das empresas brasileiras do setor.

Ronaldo Bianchi