Desde 2008, dois representativos grupos de empresas disputam a melhor forma de atender o mercado brasileiro de calçados esportivos. De um lado estão os fabricantes brasileiros, verticalizados a favor de sobretaxas, da importação de partes ou do todo dos calçados, em particular os oriundos da China. De outro lado há, também, os fabricantes brasileiros de marcas internacionais que importam as partes e montam os calçados aqui. Dentro dessa guerra, ocorreram várias batalhas. Em 2008, o governo brasileiro implantou uma sobretaxa por par de calçados importados da China. A partir de 2009, a sobretaxa alcançou as partes importadas de qualquer outro país (solado em sua essência). Pelo acordo, as sobretaxas seriam reduzidas, paulatinamente, até serem zeradas em 2012.

O cenário parecia definido, porém os ânimos tornaram-se acirrados desde o ano passado, quando importadores ainda esperavam derrubar essa sobretaxa através de recurso. Não obtendo êxito, resolveram se agrupar e pleitear legitimamente o fim da sobretaxa antes de 2012 ou, no mínimo, evitar uma nova determinação do governo que a protelasse. As disputas estavam na arena da legitimidade até a última semana, quando o líder dos “nacionalistas” (aqueles a favor da sobretaxa), Sr. Milton Cardoso, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Calçados e da Vulcabrás, no intento de demonstrar ao governo que havia uma triangulação comercial espúria em curso: produtos sairiam da China com papéis de exportação do Vietnã, em direção aos portos brasileiros. Para “provar” sua tese, partiu para o crime: forjou, sim, forjou guias de importação de mercadorias do Vietnã, em nome de fornecedores inexistentes dentro do sistema brasileiro de importação. Para seu “azar”, a simulação foi detectada e sua ação considerada criminosa pelo governo. Dá a impressão de que ele não conseguiria provar sua tese dentro da legitimidade, só por meio de uma fraude que revelaria outra fraude.

O Sr. Milton Cardoso, executivo da Vulcabrás (propriedade do Sr. Pedro Grendene), deve estar com seus dias contados na dupla presidência do grupo empresarial e da Associação, e poderá ser processado pelo Ministério Público Federal por fraude a um sistema de governo. O que essa ação nos ensina?

1. A justiça deve se realizar dentro dos parâmetros legais, e nunca realizada pelas próprias mãos, muito menos através de uma ação criminosa.

2. A sua atitude feriu a ética de conduta de um dirigente empresarial, quando atribuiu a si próprio uma ação ilegal para provar a legitimidade de seus propósitos.

3. É bom lembrar que do lado dos importadores existem, também, as indústrias nacionais, que oferecem empregos, recolhem impostos e cumprem todos os requisitos legais pertinentes às suas atividades. Por essas e por outras, elas não podem ser acusadas de fraudadoras, como quis provar o Sr. Cardoso.

No final das contas, por sua incontinência, fica a percepção de que sua ação visava à protelação ou ao aumento da sobretaxa por tempo indefinido, no sentido de transformar a Vulcabrás na principal empresa beneficiária dessa sistemática. Pobre Vulcabrás, com uma tão bela história, ficou em maus lençóis.

Se há governança corporativa na Vulcabrás, é hora de aparecer e colocar um fim nessa situação que prejudicou a indústria nacional. Oque está em jogo não é saber qual dos lados tem razão, mas sim o fato de que nesse país, todos precisam obedecer às determinações do Estado. Não será fraudando sistemas, editais, concorrências públicas, que faremos do Brasil uma nação próspera e livre.
Vimos, mais uma vez, que a esperteza come o dono.

Leiam sobre esse assunto nos jornais Folha de São Paulo (22/07/11) e O Estado de São Paulo (23/07/11).

Ronaldo Bianchi