O governo federal quer alterar o financiamento público de cultura da sua esfera, propondo um Projeto de Lei. Bom se fosse para melhorar, e parece que o projeto não melhora o atual. Por quê?

1) Hoje, há duas alíquotas para as empresas abaterem do Imposto de Renda a pagar: 100% ou 70%. O projeto propõe 100% para quem aplicar em Fundos, o que é bom, porém, para quem aplicar em projetos de produção independente fora dos fundos, as alíquotas oscilarão entre 40 e 80% com critérios a serem estabelecidos por decreto. Portanto, diminui também a segurança jurídica, hoje lei, amanhã decreto.

2) A contribuição das pessoas físicas, hoje 100%, amanhã 80%. Se a participação era inexpressiva, no futuro será nula. O PGBL (Plano de Previdência Privada) levará 100% da renúncia.

3) A lei Rouanet é “imortal”, ou seja, como aprovada antes da lei de responsabilidade fiscal, não depende de revisão a cada cinco anos.
Caso o PL seja aprovado na forma proposta, obrigatoriamente, precisará ser reexaminada a cada cinco anos, podendo ou não ser aprovada, conforme estabelecido na lei de responsabilidade fiscal.

4) Os museus e entidades sem fins lucrativos ligados às diversas expressões culturais, como por exemplo: a música erudita e instrumental, perderão a possibilidade de dedução da alíquota de 100%. As novas alíquotas oscilarão entre 40 e 80%. A aprovação nesses termos será um duro revés aos projetos com reduzido apelo mercadológico.

5) Hoje, quem capta recursos pode receber até 10% do valor captado ou o limite determinado pelo Ministério. A nova versão exclui essa remuneração. Perderemos dinamismo de execução da renúncia. Quem faz, não sabe vender. São ações excludentes.

6) A criação de nove fundos, como a criação de conselhos por expressão artística, exigirá uma máquina burocrática de que o atual Ministério não dispõe.

7) Reduzir o coeficiente de desconto da parte administrativa a 10%, contra os 15% atuais é uma sangria desnecessária. Fazer cultura custa administrativamente mais do que os 10% propostos.

8) A reformulação das nomeações dos membros de conselhos não parece democrática, muito menos transparente. No momento, o ministro escolhe uma lista tríplice, no futuro, indicará sem ouvir ninguém.

9) Não está definido como serão praticados os limites estabelecidos com relação ao total da renúncia para cada entidade, cada projeto e pelo conjunto das organizações sociais. Será o critério pelo captado ou pela ordem de chegada? Na primeira hipótese, o excesso será constatado a posteriori. Na segunda opção, por ordem de chegada, será a “corrida maluca”, muitos que podem captar não estarão autorizados. Será renúncia.

Vamos às virtudes:

1) Regulamenta o FNC, hierarquizando as suas aplicações, e oferece 100% a quem contribuir.

2) Como idéia, é justo dar incentivo menor a quem faz marketing cultural. É fundamental acabar com o capitalismo cultural sem risco. Quem quer distribuir lucro deve ter incentivo reduzido. O projeto vai bem nesse sentido.

3) Colocar o Ficarte para funcionar é boa tentativa.

Ronaldo Bianchi

A partir de 2011, a legislação obrigará o ensino de música em nossas escolas. Muitos acreditam ser uma medida precipitada, pois nem bem ensinamos português e matemática, como vamos empreender mais uma matéria? Aos céticos, aos que duvidam da viabilidade, e aos eternos do contra, temos uma resposta: a música ajudará muito o aprendizado das matérias convencionais.

Desde 2000, o Reino Unido implantou o ensino musical obrigatório nas escolas. Por quê? Chegaram à conclusão de que a música compõe um leque de qualidades para o desenvolvimento dos jovens.
Entre essas qualidades:

. Desperta a criatividade, atuando nos dois hemisférios do cérebro.
. Desenvolve a disciplina. Por meio da prática contínua de um instrumento, o jovem organiza-se no tempo e no espaço.
. Alavanca o patamar da auto-estima para o alto, fator primordial para atingir um estado de alegria e conforto consigo mesmo.
. Desenvolve o senso de interdependência, proporcionando a socialização mais rápida e lúdica de quem a pratica.
. Atua na formação de grupos coesos. Além do reconhecimento do trabalho coletivo que melhora a integração das pessoas.
. Eleva o grau de tolerância entre os diferentes, ou seja, aumenta o respeito à diversidade. Mesmo diferentes, podemos nos gostar e nos respeitar, seja qual for a opção de cada um.
Além dessas qualidades, a música oferece uma quantidade superior de alternativas, se comparada a outras expressões artísticas. Apontamos as seguintes:
– A variedade de tipos de instrumento: cordas, percussão, sopro, eletrônicos e teclado.
– Tecnologias: hoje a computação é amplamente utilizada na composição e execução musical, além da forma convencional de tocar e compor.
– Gêneros: erudito, jazz, hip-hop, pop, samba, tango, MPB, sertanejo, e um sem número de regionais de todas as partes do mundo.

. A música não fala uma língua em particular, é um código de sinais. Do chinês ao grego, basta conhecer as notas, seus sustenidos, o tempo musical. É um processo matemático, o sinal determina a sua execução.
Os resultados desses últimos 10 anos tem sido profícuos, mas há decerto muito a se fazer. O Reino Unido possui 25 mil professores de música que utilizam a internet como meio de difusão de suas experiências, dificuldades e, também, para a sua atualização. Da mesma forma, os alunos da rede escolar. Há problemas? Sim, há uma avaliação do ensino realizado através de uma agência, sob a responsabilidade do Parlamento. Os resultados dos últimos quatro anos apontam para o seguinte: ¼ das escolas superaram o estabelecido, outro ¼ atingiu a meta, ou seja, 50% das escolas chegaram lá, os outros 50% estão a caminho. Essa, talvez, seja a nossa diferença, querer tudo agora e “já”.

Nossos recursos escassos não deveriam ser encarados como empecilhos, mas simplesmente como o que eles são: obstáculos a serem superados. O Reino Unido possui universidades com 700 anos, mas ainda tem dificuldades para formar bons professores. Em vez de se penalizarem, enxergam como uma grande oportunidade a ser conquistada.

O Reino Unido, assim como toda a Europa, está sob forte onda migratória proveniente do leste europeu, da Ásia, da América Latina e da África. São continentes que despejam no velho continente ocidental, milhares de imigrantes com a esperança de melhorar de vida. Surgem, portanto, necessidades extraordinárias de investimento nas áreas de educação, saúde e habitação. Além disso, a própria decadência industrial e a ascendência da economia de serviços tem legado a cada país, contingentes de pessoas que não conseguem desenvolver novas habilidades para o seu exercício. Esse contingente de pessoas ocupa as periferias das cidades como nômades sociais. Pior, viciaram-se em álcool ou outras drogas na esperança de encontrar alívio para seu desespero cotidiano.

O que vemos hoje no Brasil? Será que nossa taxa de alcoolismo é muito inferior ao 1/4 da população adulta inglesa ou nossas crianças superam o 1/5 das crianças escocesas que não conhecem seus pais? Não afirmo e não desminto. Tenho algumas certezas quanto ao ensino musical nas escolas brasileiras:

. As crianças encontrarão professores dedicados, e muitos a serem treinados.
. Um ambiente saudável para seu desenvolvimento intelectual e emocional
. Não haverá falta de recursos humanos e nem de material. Como exemplo da abundância, veja o Programa de Aceleração do Crescimento.
. Nosso país transpira e respira música. Quando implantado, o ensino musical terá uma profusão de incentivos, daremos certo
. Nossa busca será incansável pela excelência do ensino musical e faremos um programa de êxito
. Hoje, temos mais de 50 milhões de jovens entre 5 e 19 anos, distribuídos pelas cinco regiões (norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul) à procura de um bom destino.

Vamos acelerar no sentido de garantir um futuro próspero e seguro à juventude. O ensino musical obrigatório é um dos vetores para essa conquista. Sabemos que será uma luta árdua, mas o esforço físico, material e intelectual dessa empreitada será recompensador.

Ronaldo Bianchi

A Convenção de Haia de 1947, confere aos povos, pelo menos, o direito a:

1) Insurgir-se contra um governo opressor
2) Lutar de todas as formas pelo restabelecimento da democracia, quando essa foi deposta por golpes de Estado
3) Impedir, por todos os meios, a ocupação de seu território por forças inimigas.

Ninguém duvida da validade jurídica de Nurenberg, nem das resistências francesa, holandesa, polonesa e russa contra a opressão alemã, duvida?

Pois bem, a partir de abril de 1964, o povo brasileiro adquiriu esse direito (insurgir-se contra um governo opressor) pelo fato de o estado de direito ter sido suprimido, quando nosso país vivia o exercício pleno da democracia. Agrupamentos militares, com o apoio de organizações civis e de governo estrangeiro, derrubaram o Governo eleito de João Goulart, instalando-se como governo provisório à revelia da nação.

A partir dessa “vitória”, iniciaram o processo de expurgo político de parlamentares, professores e funcionários públicos que não compartilhavam das suas orientações, e que ofereciam resistência aos seus propósitos autoritários.

A mordaça à sociedade Brasileira foi instalada. Grupos políticos discordantes iniciaram a resistência no sentido de reivindicar o restabelecimento da normalidade democrática: retorno das eleições para cargos majoritários, anulação das punições políticas, revogação dos atos institucionais, o fim da perseguição aos adversários.

A ditadura, que propunha um tempo breve para o retorno democrático, traiu sua promessa aos aliados civis. Ela determinou sua perpetuação, negou a revisão de seus atos e determinou a perseguição implacável aos seus adversários.

Os grupos políticos mais combativos partiram para a luta armada. Outros se engajaram na oposição permitida dentro do Movimento Democrático Brasileiro, ou resistiram como puderam: através da imprensa, da mobilização artística e das organizações sindicais.

A luta armada não foi uma opção a princípio, e sim a posteriori. Lutaram para derrubar um Governo que se instalou a revelia, subvertendo a ordem estabelecida.

O sistema autoritário alimentou-se no sentido de quanto maior a resistência, maior a repressão. O período agudo ocorreu quando a máquina militar desenvolveu o aparelho repressor paramilitar, resultando em prisões, deportações, torturas e assassinatos. Foram ações à revelia da lei e do Estado.

Creio que a proposta da comissão da verdade é o primeiro ato concreto para esclarecermos os fatos e limparmos nosso passado.

Deveríamos limpar nosso passado, esclarecendo os pontos obscuros. Usando a mesma forma que os Aliados da II Guerra; julgarando os facínoras nazistas em Nurenberg, se permitido pelo Supremo Tribunal Federal.
O julgamento dos torturadores e assassinos, bem, isto cabe à justiça decidir o alcance da Lei da Anistia vis a vis e aos Estatutos Internacionais dos Direitos Humanos de que o Brasil é signatário

Ronaldo Bianchi

Os candidatos a presidente deverão apresentar suas prioridades nas áreas: econômica, social e cultural. A mais extensa e de maior impacto será a agenda econômica, afinal, a partir dela as outras se desenvolvem.

As discussões da área econômica se concentrarão quanto às políticas: cambiais, de juros, de desenvolvimento, tributária e previdenciária.

O segundo ponto é a política social. A disputa pelo reconhecimento de quem foi o melhor: PT ou PSDB. Não há dúvida, o governo Fernando Henrique criou os processos de amparo sócio-econômico aos desprovidos. O PT desenvolveu o que o PSDB colocou na rua. O Lula fracassou no “Fome Zero” e salvou-se com o “Bolsa Família” de Fernando Henrique.

Os petistas gostariam de que Serra acabasse com o “Bolsa Família”, mas estão enganados, pois Serra dará maior amplitude e eficiência ao sistema.

Quanto à cultura:

. O governo Lula deve ao Partido Verde a conduta propositiva do Ministério. Foi uma disputa palmo a palmo com o PT, mas o PV soube acomodar o aliado e o prestigiar.

. Se o PV administrasse exclusivamente o Minc, poderíamos ter avançado muito mais. O Ministério perdeu energia em disputas internas, mas mesmo assim, conseguiu aumentar o seu orçamento e o da renúncia fiscal. Propôs a lei do vale-cultura que, se aprovada, será muito interessante ao país.

Por outro lado, ao eleito cabe repassar as leis de incentivo: Rouanet e Audiovisual.
Por último, ficou de fora da agenda cultural até hoje, a formação em artes. Nenhum dos governos federais de qualquer partido preocupou-se com o ensino artístico dos jovens e com a formação de professores.

Portanto, existem duas oportunidades a serem captadas: o da formação de professores e a dos jovens. No caso dos jovens, o objetivo é torná-los: desinibidos, autoconfiantes e protagonistas de suas vidas.

Quem ganhar também deveria, entre outras ações:

1) Construir centros culturais nas periferias das grandes cidades para que a juventude receba instrução artística;
2) Fomentar o ensino artístico nas escolas públicas;
3) Oferecer bolsas em academias e escolas particulares de dança, de teatro e de música àqueles que precisam.

Portanto, o desafio já existe. O governo Serra abriu o cenário: construindo nove centros culturais denominados “Fábricas de Cultura”, localizadas na periferia da cidade de São Paulo. Serão exemplos para outros governos e, nelas, os jovens construirão espetáculos usando, principalmente, a música, a dança e o teatro como forma de desinibição e projeção de seu futuro.

Nossa esperança reside na concentração de recursos na área de formação artística, seja por meio do orçamento da cultura, que deveria ser ampliado para essa função, seja por meio do engajamento da área de educação.

Ronaldo Bianchi

Em dezembro de 2009 eu “zapiava” a TV. Parei no canal HBO, no programa de entrevistas de Elvis Costello entrevistava Tony Bennett, 83 anos e aparência de 60. Soube de duas características de Tony: além de cantor, é artista plástico e mantém uma fundação. Como cantor, ninguém duvida do seu talento, e para que não haja dúvida: dois de seus quadros fazem parte da coleção do Metropolitan Museum de Nova York. Seu tema predileto nas telas: a cidade de Nova York, em especial, o Central Park. A entrevista foi se desenvolvendo de uma forma deliciosa, recomendo a todos assistirem. A trajetória pessoal culmina com uma apresentação musical, Bennett cantando com Diana Krall ao piano. Elvis Costello é casado com a pianista.

Bem, e daí? Pois é, o Sr. Bennett criou a Fundação Tony Bennett com o objetivo de desenvolver as áreas de música, dança, teatro e artes visuais (incluindo a digital), nas 25 escolas públicas do bairro onde nasceu, o Queens. Hoje, atende a três dessas escolas.

O Sr. Bennett não quer parar nas escolas do seu antigo bairro, pretende criar uma cadeia de patrocinadores para atender todos os Estados Unidos.

Em janeiro, fui para Nova York e visitei uma das três escolas que a fundação atende. Fui recebido pela diretora Cherry Whash que me apresentou a Frank Sinatra High School, localizada na esquina da Rua 35 com a Avenida 35, no Queens.

A escola foi inaugurada em setembro de 2009, é municipal e abriga 750 estudantes. O município investiu US$ 76 milhões e o Sr. Bennett, diretamente, US$ 4 milhões, pagando o arquiteto e a construção do auditório. São 800 lugares e equipamentos custeados pelo benemérito. Não visitei as outras duas escolas por já ter marcado visita à TV pública de Nova York e à VTV (dedicada ao público latino). Esse assunto será abordado em outro artigo.

Perguntei sobre a fundação: são duas pessoas que trabalham em sua operação, a diretora e uma assistente. O orçamento anual de US$ 2 milhões mantém as três escolas, fazendo caixa para, no futuro, atender as outras 22 escolas. Pretendem atrair mais investidores para atingir a meta.

A fundação mantém um acordo com o departamento de educação municipal. Não querem contrato assinado, “são muito complicados”. O dinheiro da fundação paga professores, instrutores, material de consumo e cachês de artistas que se apresentam na Frank Sinatra High School. O Sr. Bennett quer um contato direto entre alunos e artistas. A escola é linda, acessem o site: www.exploringthearts.org

Pensei na Madonna, boa intenção a dela em investir em projetos sociais no Brasil, embora não se saiba o quanto ela investirá, por enquanto, só confete. Acho que ela faria melhor ao se juntar a Bennett. Pouparia viagens e notas à imprensa, ajudando seu próprio país. Por outro lado, vi o quanto estamos certos em formar jovens nas artes. Quem seria nosso “Tony Bennett”? Poderíamos tentar, não é? Que artista dará o primeiro passo?

Ronaldo Bianchi