China e o seu Capitalismo Selvagem
1976, morre Mao. Emerge Deng Xiaoping. Líder perseguido e afastado do Exército e do Partido duas vezes pelo grande líder. Mao morto, Deng tomou seu lugar. Desde antes da morte de Mao, líderes provinciais e municipais chineses iniciaram a modernização da agricultura, indústria, serviços e comércio, colocando fim, na prática, da Revolução Cultural maoísta. Deng Xiaoping reabilitado em 1977, oficializou o capitalismo social da China. Abriu o país para as relações internacionais e comerciais. Surgiu o que vemos hoje. Uma China potência industrial, militar, economicamente ávida por mercado e negócios.
Uma China que atraiu nas últimas quatro décadas empresas manufatureiras do mundo, adquiriu seus conhecimentos e passou a ser a força motriz do desenvolvimento mundial. Agora, vende produtos e destroça os concorrentes ocidentais com o beneplácitos dos oligopólios globais e do sistema financeiro internacional. Cooptando aliados africanos, sul-americanos e afins. Surrupiando a influência de europeus e americanos. Tomando a cada dia espaço nas economias emergentes. Afinal, quem consegue concorrer com quem emprega trabalho próximo a escravidão, energia barata, câmbio favorável para a exportação e alta tecnologia? A história nos conta o seguinte: o espírito empreendedor chinês não obedece a regras, limites da exaustão do meio ambiente e tormentos éticos. A regra magna é ganhar a qualquer custo e de qualquer forma. Muito bem reproduzido no livro de Kai Fu Lee – Inteligência Artificial. As condições empresariais são selvagens. Vale tudo. A China espelhou as principais empresas de digitais ocidentais e praticamente as impediu de continuarem na China. Três Grandes conglomerados sugiram: Alibaba, Tencent e Tujia. Ele foi ocorrendo em outros setores. Construção civil por exemplo, que hoje responde por 20% do crescimento do PIB chinês, os últimos 20 anos. As empresas chinesas sob as condições desregulamentadas fazem o que querem ou faziam.
Parecem envidadas além da conta. Enquanto, as empresas ocidentais carregam dívidas de até 3 vezes sua capacidade de lucro antes de impostos, juros, depreciação e amortizações (EBTIDA), as empresas chinesas podem estar carregando até 20 vezes a sua capacidade lucrativa. Impensável nas condições capitalistas. Nada é transparente quanto as informações reais sobre as condições chinesas de operações e movimentações. Há muita suposição e expectativa. O que podemos pensar que pode estar se revelando um esgotamento do modelo chinês de crescimento. Por alguns motivos. O modelo atual acelerou a concentração de renda. O teorema de Pareto ressurge como água cristalina para explicar o início do retorno aos dogmas marxistas. O NYT em seu editorial, reproduzido pelo Estado na edição de 8 de outubro de 2021, informa alguns dados que reordenei para explicar a China atual e suas assimetrias. Segue. A população da China é 1,4 bilhão de pessoas. Quando o assunto é renda temos: 20% da população ou 294 milhões concentram 75% da riqueza. Para piorar, se olharmos com proximidade: 19% concentram 45% e 1 % ou 14 mil se apropriam de 30% da riqueza. Enquanto, 80% ou 1,12 bilhão detém 25% da riqueza. A liderança política chinesa começou a enxergar sinais de perigo. Como um país comunista pode ter uma concentração de renda tão elevada e uma possível instabilidade estrutural do modelo empresarial?
O líder Xi Jinping iniciou uma reformulação do modelo motivado por receios. Cabe aqui: a corrupção dos valores revolucionários, a desigualdade material, o envelhecimento da população, o endividamento das famílias, das empresas, o acesso das empresas aos dados da população reduzindo ou colocando em perigo o controle social do estado comunista. Ressurgi o modelo de repressão como resposta imediata às assimetrias. Punem dirigentes regionais, empresariais, restringe suas ações. A exaltação dos valores do comunismo retorna com força. O que está acontecendo? A extração de carvão está sendo reduzida para atingir melhores indicadores ambientais, sem a substituição por outra fonte. Assim, a produção local está sendo reduzida pela crise de energia e um possível endividamento incontrolável das pessoa e empresas. A coça aos empresários e aos burocratas provinciais está em desenvolvimento, colocando para a China rumo a uma redução de seu PIB. O que surgirá desse movimento repressivo ninguém sabe.
Nada promissor a quebra do sistema da construção civil. Pode ser a ponta de um “iceberg” ou o furo da “bolha” do modelo da economia de mercado socialista. A quebra setorial, local que pode se tornar global, cujas consequências poderá se “n” vezes pior que a crise do COVIR 19. Benvindos a 2022, será imperdível.
Ronaldo Bianchi